Stock House

Wednesday, June 15, 2005

A solidão

Colo meus olhos no difuso aglomerado das três cores primárias do monitor, perco-me olhando para o mais recôndito ícone, busco sem fronteiras mentalizar-me que um deles poderá talvez entregar-me a sensação que tanto prezo do “passar tempo de maneira desmesurada”, em fracções de segundo rendo-me à evidencia, procuro algo que me conforte, eis que começa a viagem, arrasto-me para fora da cadeira, dou por mim no ponto incipiente do corredor, descontraio os músculos do pescoço, a cabeça inclina-se lentamente, e mais uma vez colo os olhos no chão, sinto a sua frieza na planta pés, ouço o ranger da madeira a cada passo meu, como por puro instinto ponho um pé em frente ao outro, a imperfeita horizontalidade do braço coloca o dedo na parede branca e acompanha todas as suas curvas sinuosas até a sala. O raio de luz proveniente da janela ilumina o meu rosto enrugado pela ofuscante claridade, de olhos semicerrados dirijo-me ao comando da televisão, o silêncio é rasgado pelo barulho dos electrões que se passeiam freneticamente pelo cátodo, eis que as colunas juntam as primeiras notas, a sala de facto encontra-se agora completa, a minha cabeça? Ainda não. Aumento o volume, corro com velocidade relâmpago os 43 canais, acto tão inconsciente este que ajuda-me apenas a manter algo, que por muito físico que seja, ocupado. Chega? Ainda não. Cozinha penso eu… há sempre alguma coisa para fazer numa cozinha. Eis-me então a enveredar por esse caminho, fruta de aspecto dúbio abandonada dentro de uma tina contígua ao fogão. Dando jus à minha insanidade, vejo o sorriso endiabrado da tina, travo uma batalha contra um pelotão bem armado de mosquitos que não cessam de me combater pela sua usurpada fonte de subsistência, devido à minha intervenção a tina jaz no fundo de um saco preto de lixo. E os mosquitos? Os mosquitos não… Parece que ficaram enfurecidos, tendo-me apenas a mim para descarregar a sua cólera, corro para fechar as portas com a finalidade de criar uma descansada divisória entre o pelotão e eu. Esgotadas as ideias e fés, encaminho-me para o quarto mais uma vez… Uma aclamada janela de Messenger teima em abrir… mais uma ideia discorreu, musica, prontamente ponho a playlist a tocar e atiro corpo como que desprovido de vida para cima de um qualquer edredão de penas. Silencio? Essa é já meta ultrapassada, com a televisão, a musica, a correria dos carros na rua, a vizinha do lado a abanar a roupa molhada perto do estendal, as luzes do quarto, a luz natural do sol que entra pela varanda e os filamentos luminescentes do relógio digital nem os meus pensamentos consigo ouvir, nada parece acalmar a minha angústia. A minha humilde conclusão é que, neste estado, nada podemos fazer para melhorar, para acordar, para encontrar coragem que nos falta neste dia tão inusitado para enfrentar o mundo. Pessoalmente, duas coisas entregam-me de mão beijada a um estado idêntico ou semelhante a este… Um são os exames, o outro não digo…
LV-426 [HyperDyne Systems ®]

Wednesday, June 01, 2005

A Inocência

Durante toda a minha linha de vida, até ao dia de hoje, resignei-me às minhas ideias, perdido nas minhas efémeras conclusões, vezes sem conta as revoguei e continuo a revogar, vezes sem conta perguntei-me se seriam as certas, se teria eu uma conduta digna, uma das que deambula seguríssima de si pelas calçadas da lógica.
Enquanto criança, jovem, tive os meus ídolos como os demais, neles admirava a maneira de pensar, agir, sonhar, falar, rir, o que moviam com apenas uma palavra que lhes saísse da boca; triste sina, que tantos quanto tive, o mesmo número de vezes me desiludi. Criei a minha pessoa aprendendo também com os ataques incessantes vindos do exterior, por vezes tão abalada a esfera ficava, que perdia o norte e já não sabia distinguir o bem do mal, não identificava principalmente “aquém” fazia o quê. Hoje, apesar de mais diminutas serem as perguntas e as dúvidas, elas fazem por resistir e continuar cá… O que nos dá alento a continuar? Precisamente o que mais desprezo, o que nos chega pelos caminhos tumultuosos do exterior, do que nos circunda. Chegou-me sem eu esperar, num momento muito peculiar, pergunto-lhes, e se alguém vos disparasse estas perguntas:
- Como consegues ser assim?
- O que fazes para ser assim?
- O que é preciso para ver o mundo com uns olhos pensativos idênticos aos teus?
- Algum dia hei-de conseguir atingir a plenitude em que vives?
Que fariam!?
Pois pessoalmente bateu fundo, apanhei-me a vaguear queimando mais um cigarro com o alento e a esperança que este me transmitisse a calma, a paz espiritual e as conclusões que teimavam em fugir-me por entre raciocínios e ideias.
Tais perguntas tiveram este efeito anestésico pois a pessoa que me atingiu com elas é munido de tudo o que eu nunca fui, calma, inocência e perseverança. Não desejo ao mais comum dos mortais pensar de maneira diferente, transcendental por vezes, arriscaria-me a afirmar, sofre-se de um vazio, de uma busca de caminhos, sofre-se por estar perdido, sente-se aquele peso no peito que parece colar o tórax contra a espinha dorsal. É uma batalha desigual sentir as coisas no seu exponente máximo e a cada segundo que o ponteiro do relógio nos oferece de mão beijada lutarmos para demonstrar precisamente o contrário, demonstrar que nada nos afecta, que somos inatingíveis. Não quero este estigma para ninguém, mas se sentires necessidade que ele seja a componente que te move e tiveres os alicerces, o empreendimento é um mero complemento.
Só quero comunicar-te, seja qual for o hemisfério onde te encontres, palavra de honra que não estarás sozinho.
Esta coisa do “apadrinhamento”, à muitos séculos que é algo extremamente sério, digno e intemporal, em suma, algo para ser respeitado.

LV-426 [HyperDyne Systems ®]