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Monday, January 16, 2006

Um Bilhete com Alma.

Após súbita e repentina introspecção, num ápice me prontifiquei a por cobro àquele tormento que durava já duas longas horas… arrumei a folha de rascunho, fiz-me equipar com a volumosa mochila e dei um ultimo aceno aos meus companheiros de armas, transparecendo o desalento e desilusão que me percorria o pensamento. Encaminhei-me para a paragem de autocarro… mas não uma paragem qualquer como tantas que povoam as ruas deste secular Porto, sabia de antemão que, ao cruzar aquela esquina, a esquina do nosso tão degradado e sombrio S. João, iria encontrar ali sitiados fitando com olhar de lince o fundo da rua aquele povo tão “EU”… comprei o bilhete e amparei-me no sujo e ferrugento gradeamento num dos meus muitos 5 minutos de contribuição para com a tabaqueira e S. Pedro diários. Senti aquele calor, aquele espírito, aquela disposição tão particularmente Transmontana. Aquele sotaque serrado que asfixiava as conversas de duas senhoras de idade, a estupefacção de um humilde casal de meia idade aquando da passagem de um tão vulgar Airbus (até de ouvidos tapados se podia notar o tremer de admiração nas suas vozes), um transmontano convertido a beto moderno, modernizado pela nossa tão querida TVI que nos premeia com os “Morangos com Açúcar” diariamente ou então pela sua namorada com a mania que pertence à “margem d’lá”. Eis… Lá estamos nós…

Apanhei-me num abismo de recordações, recordei sentindo uma fotocópia de sensações quando eu próprio me aventurava para lá da margem que me foi nomeada à nascença, e que o segundo melhor momento dessas incursões era a dezena de minutos em que abandonava a A1 e dava comigo a percorrer a sua extensão até à ponte do Freixo e via reflectido na densa névoa a luz amarela-alaranjada emanada pelos candeeiros e focos do estádio do Dragão, e louvava:

- Cheguei a casa!

Podemos sim, podemos ser menos evoluídos, mais limitados, mais barulhentos, menos lembrados, muito ultrapassados, pouco instruídos, regularmente menosprezados, pontualmente enaltecidos, dados à zaragata* e SEM objectivo… MAS… somos inteiramente, de corpo e alma até que nos seja roubada a vida NÓS, e passados tantos séculos, relembro o mais importante… AINDA ESTAMOS AQUI.

E vocês da “margem d’lá”… Já sabem quem são?

*Vulgo: Berdoada!

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